Trabalho sobre Utopias desenvolvimentistas e política social no Brasil
referencia: Potyara Amazoneida P. Pereira
Utopias desenvolvimentistas e política social no Brasil
Toda a pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe
assegurar e à sua família a saúde e o bem-estar, principalmente
quanto à alimentação, ao vestuário, ao alojamento, à assistência
médica e ainda quanto aos serviços sociais necessários, e tem direito
à segurança no desemprego, na doença, na invalidez na viuvez, na
velhice ou noutros casos de perda de meios de subsistência por
circunstâncias independentes da sua vontade‖.(Artigo XXIII da
Declaração Universal dos Direitos Humanos; 1948)
“Por ai se vê a que ponto as nações que aderiram a esta Declaração
cometeram perjúrio”. (FORRESTER, Viviane. Uma estranha ditadura.
São Paulo: Editora UNESP, 2001,p.49)
O Neoliberalismo defende que o Estado não deve intervir na economia do País
e ainda acrescenta, a saúde e a educação devem ser privatizadas, pois o
Estado não tem condições financeiras de conceder serviços de qualidade,
dessa forma o Estado deve ser apenas o regulador, concedendo apenas o
mínimo para o social e o máximo de vantagens ao mercado.
Vivemos a disputa entre dois projetos antagônicos. O liberal versus o
desenvolvimentista. O mercado versus o Estado. A focalização exclusiva nos
mais “pobres” versus a universalização dos direitos da cidadania. Os valores do
Estado mínimo versus os valores do Estado de bem-estar. Os direitos sindicais
e laborais versus relações de trabalho flexíveis.
No Brasil, as definições e os rumos da política social não estão imunes a
influências internacionalmente hegemônicas, que, embora se processem de
forma diferenciada, não estão desconectadas.
As mudanças atualmente verificadas nos fundamentos e na prática da política
social brasileira não ocorrem de forma isolada, unilateral e autônoma. Pelo
contrário, elas fazem parte do processo mundial de reestruturação capitalista,
iniciado no final dos anos 1970, cuja justificação ideológica encontra guarida no
credo neoliberal desde então dominante.
Foi em meio a essa reorganização econômica, social e política que a política
social no Brasil se instituiu, nos anos 1930. Em 1º. de julho de 1938, por meio
do Decreto-lei no. 5256, Getúlio Vargas instituiu o Conselho Nacional de
Serviço Social (CNSS).
Enquanto nos países capitalistas centrais as políticas sociais conquistadas pela
classe trabalhadora floresceram sob a égide das chamadas democracias
burguesas, no Brasil tais políticas floresceram e se adensaram nas ditaduras,
sob as bênçãos da burguesia. Segundo Sposati (2007, p. 17),
“a moral republicana liberal – mesclada à ditadura varguista –
entende que os notáveis é que dialogariam com entidades sociais
sobre os mais pobres. Nem pensar em relações democráticas ou na
presença da voz dos usuários para dizer de si. Eles precisavam ser
vocalizados por outros. É a grande e persistente desconfiança com o
que dizem os usuários da assistência social que precisa ser rompida”.
No governo republicano de Juscelino Kubitscheck, política social teve um papel
marginal. A política social só teve vez como peça subsidiária a realização
desse progresso.
Segundo Haggard e Kaufaman (2008), no Brasil, as políticas sociais serviram
aos objetivos da elite dominante ao criar sustentação social nas cidades como
lócus do emprego formal. O “dever de trabalhar” permanecia sendo a base
para o acesso a maioria dos direitos sociais.
A educação contida no Plano de Metas do governo Kubitscheck visava quase
tão somente preparar recursos humanos para empresas estrangeiras que aqui
se estabeleceram, sobretudo as do ramo automobilístico.
No período da ditadura militar, instituída com o golpe de 1964, a política social
foi amplamente utilizada como compensação ao cerceamento dos direitos civis
e políticos, praticado pelo Estado, que, graças à existência à época de um ciclo
econômico expansivo internacional, deu continuidade à industrialização
desenvolvimentista no país.
Nunca, afirma esse autor, o dístico positivista da bandeira brasileira Ordem e
Progresso foi “levado tão ao pé da letra”: “poderosas empresas estatais se
fortaleceram nos setores produtivos, fusões bancárias foram financiadas por
impostos pesados, recursos públicos foram usados sem ambiguidades, não
para preservar o velho, mas para produzir o novo como a Aeronáutica e o ITA,
criando a Embraer”
Esse foi um aspecto que diferenciou as ditaduras militares do Brasil das de
outros países da América Latina, pois neles o Estado ditatorial que se
implantou nos anos 1970 conviveu com a recessão econômica, dada a
coincidência de sua implantação com “o início do longo período recessivo do
capitalismo internacional” (Sader, 2008).
1970, ao findar o ciclo expansivo da economia internacional, iniciado no
segundo pós-guerra, todo o mundo capitalista conheceu uma nova crise, que
se revelou estrutural e se prolonga até os dias de hoje crise esta causada por
desequilíbrios entre sobre acumulação e consumo e pela transformação do
excedente produzido pela economia real em capital financeiro.
1990 tem voltado a explorar suas reservas minerais e vegetais; a praticar o
agronegócio; a exportar commodities e a reciclar a sua dependência externa,
que, agora, deixa de ser tecnológica, “típica da acumulação industrial”, para ser
financeira, “típica do capitalismo rentista”
1980, paralelamente à recessão econômica, que também atingiu o Brasil,
acompanhada de inflação, endividamento do setor público e de baixas taxas de
crescimento, o país assistiu, em 1985, ao fim da ditadura e ao advento de um
novo período de redemocratização; e, nesse período, a conquista de maior
simbolismo foi a promulgação, em 1988, da Constituição da República.
A Constituição de 1988, conhecida como constituição cidadã, foi na contramão
do contexto mundial do neoliberalismo.
Pela primeira vez na história do país, à assistência será reconhecido o status
de direito social, o que causará grande impacto no campo das políticas sociais
Na Assembleia Nacional Constituinte (ANC) de 1987, então convocada para
produzir o novo texto constitucional após 21 anos de ditadura militar, vários
dispositivos de feição social-democrata, que conseguiram ser aprovados na
ANC como a ampliação de direitos sociais, a universalização da cobertura
destes e o compromisso do Estado com a garantia dos mesmos surgiram no
momento em que o neoliberalismo penetrava no país e os negava por princípio.
Não por acaso, desencadeou-se, conforme Fagnani (2005), um agressivo
processo de “desfiguração” das conquistas sociais previstas na Carta Magna,
começando pelas leis complementares e ordinárias, que deveriam
regulamentá-las, e terminando por se explicitar, não como um simples
enfraquecimento dessas conquistas, mas como sucumbência destas ante os
ditames do neoliberalismo. No caso da seguridade social, essa sucumbência
pode ser constatada no funcionamento cada vez mais precário das políticas de
saúde, previdência e assistência que compõem esse sistema.
Dessa forma, o país não se caracteriza como um país pobre, mas como um
destaque na desigualdade social e nos poucos resultados sociais.
A partir da última redemocratização do país, que ocorreu em um momento
histórico adverso: processou-se na mesma época em que, nos países
europeus, berço das políticas sociais regidas pela cidadania, já se aplicavam
medidas contra os direitos sociais e se decidia pela implantação de um Estado
mínimo em substituição ao Estado Social.
A utopia nacional de instituir, pela primeira vez, um regime de bem-estar, no
Brasil ficou abalada devido o descompasso histórico e civilizatório entre a
política social brasileira e a dos países capitalistas centrais
Diante dessa realidade, cabem as seguintes perguntas para se avançar na
reflexão: a quem os Estados nacionais capitalistas, movidos pela sedução do
desenvolvimento (incluindo o Brasil), mais assistem hoje: aos ricos ou aos
pobres? Porque a assistência aos ricos não causa a perplexidade e a celeuma
que a irrisória assistência aos pobres provoca nos círculos midiáticos,
intelectuais e políticos? E por que o combate à concentração de riquezas não é
alvo preferencial dos governos, mas sim, a redução ou o alívio da pobreza?
Ao desassistir a população, o Estado, alimentado pela ideologia neoliberal, usa
o artifício de autorresponsabilização das camadas populares, uma espécie de
meritocracia que responsabiliza o sujeito pelo seu sucesso ou fracasso, sem
incluir na questão se esse sujeito tem suas necessidades básicas garantidas,
por exemplo. Assim, o Estado se desresponsabiliza, e a condição das pessoas
passa a ser de devedores, produtores de seu insucesso, em vez de serem
cobradores de maior participação e responsabilidade social do Estado.
Está havendo um contínuo e crescente esvaziamento do padrão de Estado
social de direito em favor do padrão capitalista de Estado neoliberal
meritocrático.
(Significados de Meritocrático: A pessoa que é digno dos seus méritos.
Remunerar o desempenho de forma diferenciada.)
Substituição do Estado Social pelo Estado Penal, principalmente quando se
refere aos Estados Unidos, por sinal o país precursor da ideologia workfare
state =trabalhar para receber, bem-estar em troca de trabalho em substituição
ao welfare state = bem-estar incondicional, o Estado assistencial que garante
padrões mínimos de educação, saúde, habitação, renda e seguridade social a
todos os cidadãos.
Com a Constituição de 1988 não se estava propondo nada radical, que
sugerisse a passagem do capitalismo para o socialismo, mas tão somente a
entrada retardatária do Brasil num processo civilizatório próprio das chamadas
democracias burguesas.
Entretanto, nem assim as forças conservadoras que se mantiveram ativas,
inclusive em postos-chave da denominada “Nova República”, que se seguiu à
ditadura, absorveram os avanços constitucionais. E, desde então, deu-se início
ao que vários autores, incluindo Fagnani, chamam de “contrarreforma”
conservadora às reformas institucionais realizadas, mas que, a meu ver,
representou mais do que isto: houve, de fato, destruição das frágeis conquistas
democráticas consignadas na Constituição, praticada pelo Estado ou com o
seu aval.
Por conseguinte, nenhuma das três políticas que compõem o conjunto da
Seguridade Social brasileira foi implementada, como previsto na Lei Maior.
Assim, se atualmente existem dados estatísticos que indicam ter havido no
Brasil “neodesenvolvimentista” diminuição da pobreza com crescimento
sustentado, é preciso comparar esses dados com a seguinte realidade:
nenhum governo brasileiro pós-ditadura militar, e eleito diretamente pelo povo,
rompeu com os mandamentos neoliberais, nem mesmo os que se identificavam
com projetos de esquerda.
O curto governo Collor de Mello (1990-92) e os dois mandatos de Fernando
Henrique Cardoso — FHC (1995-98/1999-2002) foram mais explícitos na sua
rejeição aos preceitos constitucionais favoráveis à ampliação dos direitos
sociais no país.
Lula seguiu a senda neoliberal aberta por Collor e alargada por FHC, para
acabar por aumentar a autonomia do capital. Assim, ao fim e ao cabo, “se FHC
destruiu os músculos do Estado para implementar o projeto privatista, Lula
[destruiu] os músculos da sociedade, que já não se opõe às medidas de
desregulamentação” adotadas desde antes do seu governo.
Essas foram, entre outras, as primeiras investidas inconstitucionais de gestão
neoliberal das políticas sociais no Brasil, as quais tiveram como facilitadores
dois fatos históricos interligados: um internacional e outro nacional. O primeiro,
já mencionado, foi o fim da bipolaridade mundial, em 1989, resultante da
autodissolução da União Soviética e da ascensão dos Estados Unidos à única
potência imperial. E o segundo foi o esgotamento, no Brasil, do Estado
desenvolvimentista clássico e a consequente reorganização das classes
dominantes em torno do projeto neoliberal, que perseguia o progresso via
protagonismo do mercado.
Foi com FHC, portanto, que ocorreu a maior incompatibilidade entre a agenda
governamental e os direitos sociais previstos na Constituição de 1988.
Enfim, “manipulando o fetiche da moeda estável, Fernando Henrique retirou do
Estado brasileiro a capacidade de fazer política econômica” e, vale acrescentar
também social.
Pode-se dizer que nesse governo prevaleceu uma política monetária aliada a
uma ousada e desastrosa prática de privatização das empresas estatais,
mediante a qual o setor privado da economia foi agraciado com renda, riqueza
e patrimônio em detrimento do bem-estar social da população.
O governo Lula: esse governo melhorou, sim, as condições sociais de muitos
brasileiros, mas, ao mesmo tempo, melhorou muito mais a remuneração do
capital financeiro, industrial e do agronegócio que operam no país. Portanto, se
a pobreza absoluta ou extrema diminuiu a desigualdade, não sofreu
decréscimos, e se a pobreza absoluta ou extrema preocupou o governo, o
combate à concentração de riqueza não foi alvo dessa preocupação. E o país
continua injusto.
A consequência disso é a prevalência de políticas sociais focalizadas na
pobreza, que não liberam da privação os que não estão inseridos no mercado
de trabalho. Pelo contrário, os enclausuram no que ficou conhecido como
armadilha da pobreza.
As privilegiadas opções governamentais de repassar dinheiro aos pobres em
lugar de garantir-lhes, como dever de cidadania, serviços sociais públicos,
empregos e salários de qualidade, não são ingênuas e nem assistenciais. Tais
opções apostam no poder mágico, fetichista, do dinheiro, que transforma os
pobres em consumidores; e, no Brasil, também os transforma em uma
significativa massa de pagadores de impostos, já que o sistema tributário
brasileiro é altamente regressivo e grandemente incidente no consumo.
A predominância da política econômica em detrimento das políticas sociais no
país e no mundo é uma fato. Contudo é preciso uma oposição ao sistema,
invertendo prioridades que devera ser fruto da luta da classe trabalhadora e de
profissionais empenhados, que tomem para si esta responsabilidade.
Como afirma Titmuss (p. 28), a política social refere-se a princípios
que governam atuações dirigidas a fins, com o concurso de meios,
para promover mudanças, seja em situações, sistemas e práticas,
seja em condutas e comportamentos. Isso quer dizer que o conceito
de política social só tem sentido se quem a utiliza acreditar que deve
(política e eticamente) influir numa realidade concreta que precisa ser
mudada. É com base nesse comprometimento que Alcoock (apud C.
P. Pereira, 2006), numa eloquente reflexão acerca da pobreza, realça
o caráter político e ético da política social, nestes termos: o simples
fato de estudar pobreza já requer do estudioso (da política social)
compromisso com a sua erradicação. (PEREIRA, 2009, p. 171
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